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sábado, 19 de novembro de 2011

Malaria

Malária

A malária é uma das doenças mais antigas conhecida pelo homem, também é conhecida como paludismo, impaludismo, febre palustre, maleita, sezão, tremedeira. Os parasitos responsáveis por essa doença humana pertencem ao filo Apicomplexa, subordem Haemosporina e família Plasmodiidae, com quatro espécies: o Plasmodium, agente da terçã benigna, o P. falciparum, agente da terçã maligna, o P. malariae agente da quartã benigna, e o P. ovale, também responsável por uma terçã benigna (essa última espécie não ocorre no Brasil, apenas na África Central); as demais espécies têm distribuição mundial. Sendo o Plasmodium vivax mais comum.



Morfologia


A morfologia é muito variável, dependo da fase do ciclo biológico que o parasito atinge, também existem diferenças morfológicas entre as espécies de Plasmodium.
As formas deste parasito são:
*Esporozoíto: é a forma infectante em humanos, presente nas glândulas salivares do mosquito que as inocula no homem. Possui núcleo central e extremidades afiliadas apresentando na extremidade anterior o complexo apical ou aparelho de penetração.
*Esquizonte pré-eritrocítico: é a forma presente no hepatócito após a ocorrência da reprodução assexuada tissular (esquizogonia tissular).
*Trofozoíto jovem: é uma forma encontrada dentro de hemácias, com aspecto de anel, sendo o aro formado pelo citoplasma e a pedra representada pelo núcleo do parasito (cromatina).
*Trofozoíto maduro ou amebóide: é uma forma presente dentro de hemácias, na qual o citoplasma se apresenta irregular e vacuolizado e o núcleo ainda está indiviso.
*Esquizonte: também dentro de hemácias, na qual o citoplasma é irregular e vacuolizado, mas o núcleo já se apresenta dividido em alguns fragmentos.
*Rosácea ou merócito: ainda dentro da hemácia, cada fragmento do núcleo, acompanhado de uma pequena porção de citoplasma, se individualiza, formando tantos merozoítos quantas forem às divisões nucleares, ao conjunto dos quais se dá o nome de merócito ou rosácea.
*Merozoíto: é uma forma ovalada, contendo um núcleo, pequena porção de citoplasma, apresentando em determinado ponto uma estrutura denominada “conóide de penetração”. O merozoíto pode ter duas origens: da esquizogonia tissular ou da esquizogonia sangüínea; assim, no início de sua formação, está dentro do hepatócito (compondo o esquizonte pré-eritrocítico) ou dentro da hemácia (compondo o merócito). Portanto, qualquer que seja sua origem, os merozoítos são células preparadas para penetrar em hemácias.
*Macrogametócito: é a célula sexuada feminina, encontrada dentro de hemácias, apresentando-se arredondada ou alongada, conforme a espécie.
*Microgametócito: é a célula sexuada masculina, encontrada dentro de hemácias, apresentando-se arredondada ou alongada, conforme a espécie.
*Ovo ou zigoto: é uma forma esférica, presente na luz do estômago do mosquito e formada pela fecundação do macrogameta pelo microgameta.
*Oocineto: é uma forma alongada, móvel, presente entre a luz e a parede do estômago do mosquito.
*Oocisto: é o ovo ou zigoto encistado na parede do estômago do mosquito e que dará origem aos esporozoítos. Possuindo uma forma esférica.








Plasmodium falciparum








Plasmodium malariae








Plasmodium vivax





Ciclo biológico
O ciclo biológico passa-se em dois hospedeiros, sendo heteroxeno: o ciclo sexuado ocorre no mosquito, daí ser considerado o hospedeiro definitivo e o ciclo assexuado acontece nos humanos, considerando-se os hospedeiros intermediários. Devido às diversas formas do parasito seu ciclo biológico parece ser complicado, porém o ciclo apresenta uma sequência de formas e fases evolutivas, que são:
*Fase pré ou exoeritrocítica: é a fase do ciclo que se processa nos hepatócitos, antes de se desenvolver nos eritrócitos; é também conhecida como fase tissular primária ou criptozóica (pois se passa escondida, no fígado).
*Fase eritrocítica: é a fase do ciclo que se processa nos eritrócitos.
Reprodução assexuada ou esquizogonia: ocorre a divisão do núcleo e do citoplasma do parasito, produzindo merozoítos.
*Reprodução sexuada ou esporogonia: ocorre no mosquito, com a fecundação do macrogameta pelo microgameta, produzindo esporozoítos.




ILUSTRAÇÃO:







Ciclo biológico do Plasmodium: Anopheles inoculando esporozoítos durante a hematofagia; esporozoítos da corrente sangüínea dirigindo-se para os hepatócitos; esporozoítos que darão origem aos hipnozoítos; penetração de esporozoítos nos hepatócitos e inicio do ciclo assexuado ou esquizogônico pré-eritrocítico; início do ciclo assexuado ou esquizogônico lento, dando origem aos hipnozoitos; ruptura do hepatócito após final do ciclo exoeritrocitário e liberação de milhares de merozoitos que invadirão as hemácias; meses mais tarde, ruptura de hepatócitos após o final do ciclo exoeritrocitário lento, liberando hipnozoítos que penetrarão em hemácias; hemácias onde terá início o ciclo assexuado ou esquizogônico sangüineo; trofozoito jovem na hemácia; trofozoíto maduro; esquizonte; rosácea; ruptura da rosácea, com liberação de merozoitos; merozoíto penetrando em nova hemácia, reiniciando o ciclo assexuado ou esquizogônico sangüíneo; merozoitos diferenciados, dirigindo-se para hemácias, dando início ao ciclo sexuado ou esporogônico (que se completará no mosquito); merozoíto diferenciado, que irá formar o macrogametócito; merozoito diferenciado que irá formar o microgametócito; macrogametócito já formado e na corrente sangüinea; microgametócito na corrente sangüinea (ingestão das formas sangüíneas pelo Anopheles); o macrogametócito amadurece e dá origem ao macrogameta (feminino); por exflagelação, o microgametócito produz vários microgametas; um macrogameta é fecundado por um microgameta; formação do ovo ou zigoto; oocineto dirigindo-se para a parede do estômago do mosquito; formação do oocisto; produção de esporozoítos no interior do oocisto, com rompimento desse; liberação de esporozoitos, que se dirigirão para a probóscida do Anopheles.





Transmissão
O mecanismo de transmissão que tem importância epidemiológica é através da picada de fêmeas de mosquitos do gênero Anopheles, os quais se infectam na única fonte de infecção conhecida: pacientes humanos que apresentam gametas no sangue circulante.

Patogenia e Sintomatologia
O período de incubação da doença (inoculação dos esporozoítos até o aparecimento dos primeiros sintomas) varia de acordo com a espécie de plasmódio: sete a dez dias para o P. falciparum, dez a 15 para o P. vivax e 30 dias para o P. malariae; já o período pré-patente (inoculação dos esporozoítos até o aparecimento das primeiras formas sangüíneas) é o seguinte: P. falciparum - mínimo cinco dias, média oito a 12 dias; P. vivax - mínimo oito dias, média 13 a 17 dias; P. malariae - mínimo 14 dias, média 28 a 37 dias.
A malária é uma doença sistêmica, em que vários órgãos podem ser atingidos isolada ou conjuntamente, ocorrendo desde casos benignos e crônicos até formas agudas e fatais. A evolução da doença depende de diversos fatores: espécie e cepa do plasmódio, constituição genética e imunológica do paciente. Em geral, as formas fatais ocorrem em pacientes adultos ou jovens, não residentes em áreas malarígenas e, portanto, sem nenhuma defesa específica preexistente e que adquiriram o P. falciparum (terçã maligna).
As esquizogonias sangüíneas provocam a destruição de grande número de hemácias e a liberação do pigmento malárico, denominado "hemozoína". Outro pigmento que aparece em doentes de malária (e em várias doenças que destroem a hemácia) é a "hemossiderina". Esse pigmento é resultante da degradação, pelas células fagocitárias, da hemoglobina liberada pela ruptura dos eritrócitos.
A febre, a anemia e o acesso malárico são os três sintomas patognomônicos da malária.A febre tem como causa os pigmentos maláricos, que são substâncias pirogênicas e a liberação de pirogênio endógeno pelos monócitos e macrófagos, ativados pelo parasito. A anemia tem como causa vários fatores: (1) a destruição de hemácias durante as esquizogonias sangüíneas; (2) a destruição de hemácias parasitadas pelo baço; (3) a destruição de hemácias sem parasitos, mas sensibilizadas por antígenos parasitários, fazendo com que o baço não as reconheça como normais e as destrua; (4) hemólise de hemácias normais, por auto-anticorpos, com afinidades tanto para o parasito como para a hemácia; (5) disfunção da medula óssea estimulada por ação de citocinas, provocando uma diseritropoiese. O acesso malárico parece que é decorrente de um desequilíbrio bioquímico no momento da esquizogonia sangüínea (ruptura das rosáceas). Nesse momento, nota-se a elevação súbita da taxa de potássio (K) e redução do sódio (Na) sangüíneo; as taxas de cloretos alteram-se, o fósforo (P) fica reduzido, aumenta o consumo de glicose, havendo produção de ácido lático que induz ao consumo de bicarbonato com a conseqüente redução do CO2.
No início da doença, o paciente queixa-se de sintomas gerais, tais como: mal-estar, dor de cabeça, indisposição indefinida e ligeira hipertermia. Em seguida, a febre acentua-se e alguns dias depois o paciente apresenta o típico acesso malárico, que é representado por calafrio, calor e suor. Na fase do calafrio o paciente tem uma forte sensação de frio, que dura 20 a 60 minutos, onde o paciente apresenta as características de pulso mais rápido e fino, palidez e estrema fraqueza. A segunda fase é regida por alta da temperatura, aumento da sensação de calor, vermelhidão da face, dor de cabeça e pulso cheio, durando de duas a três horas. E na ultima fase o paciente apresenta alta sudorese, acompanhada por sensação de alivio.
Cada espécie apresenta a periodicidade própria para a repetição do paroxismo, e o P. vivax é de 48 horas, o P. falciparum, 36 a 48 horas, e o P. malariae, 72 horas. Essa cronologia (terçã ou quartã) pode, entretanto, alterar-se em vista do número de gerações envolvidas. Assim, quando em um doente só ocorre uma geração do parasito, ele terá o acesso sempre a intervalos regulares; mas se, além dessa geração, digamos A, ele possuir outras, digamos B e C, o paciente terá acesso diariamente, com um intervalo de 48 horas para cada geração. Essas gerações (A, B, C) podem surgir pelo desdobramento da primoinfecção ou por reinfecções que seguem uma sincronicidade própria. Nesses casos de febre cotidiana, o quadro do paciente é muito grave e, usualmente, é devida ao P. falciparum.
Nos pacientes de P. vivax, essa fase aguda dura cerca de um mês, quando então os acessos se tornam menos intensos, com parasitemia reduzida e razoável bem-estar, caracterizando a fase crônica, que pode durar até três anos. Existem situações como as de reprudescênciaonde onde os sintomas terminam, porém em um ou dois meses os acesso retornam, devido ao retorno de seu ciclo eritrocitário. E situações de recaída onde os sintomas terminam e muitos meses (às vezes dois anos) depois, os hipnozoítos reativam-se e promovem novos acessos maláricos.

Complicações da malária

Malária cerebral
É uma manifestação gravíssima, que dificilmente se manifesta em moradores de zona endêmica, além dos sintomas citados, o paciente apresenta perda da consciência por períodos prolongados, sonolência, convulsões freqüentes, com evolução final para o quadro de coma.

Anemia Grave
O paciente apresenta anemia normocítica, com hematócrito abaixo de 15% e parasitemia acima de 10.000 parasitos por mm3 de sangue.

Insuficiência renal
Há acentuada redução do volume urinário, chegando a menos de 400 ml ao dia (em adultos), com a conseqüente elevação da creatinina e uréia plasmáticas.

Edema pulmonar agudo
Caracterizada por aumento da ventilação e hipertermia, seguida de intensa transudação alveolar, baixa oxigenação sangüínea e cianose. É mais freqüente em gestantes.

Hemoglobinúria
Em decorrência da hemólise intravascular aguda e maciça, o paciente apresenta hiper-hemoglobinemia e hemoglobinúria intensa; é freqüente estar associada à uma icterícia acentuada.

Sistema Fagocítico Mononuclear
Algumas características da malária crônica são a hiperplasia e a hiperatividade dos macrófagos e das demais células componentes do sistema, que se apresentam abarrotadas de parasitos, pigmentos maláricos, restos de hemácias e até hemácias fagocitadas íntegras.

Baço

Já na fase aguda se apresenta aumentado de volume e congesto, mostrando intensa atividade fagocitária, com capilares e seios venosos repletos de parasitos. Na fase crônica a esplenomegalia é acentuada, com hiperplasia e hipertrofia de macrófagos e células histiocitárias, que se apresentam repletas de parasitos e de pigmentos, dando ao órgão urna cor cinza-amarronzada.

Fígado
Na fase aguda, mostra-se congesto, ligeiramente aumentado de volume, não detectável à palpação; na fase crônica, a hepatomegalia é acentuada, com hiperplasia e hipertrofia das células fagocitárias, todas elas repletas de parasitos e hemácias; as células de Kupffer apresentam-se repletas de pigmentos.

Medula Óssea
Há hiperplasia do sistema fagocítico mononuclear, com grande atividade fagocitária, presença de grande número de hemácias parasitadas e, em decorrência da anemia, há grande produção de reticulócitos.

Cérebro
As alterações no cérebro podem aparecer já na fase aguda. A circulação cerebral é aumentada (pela hipertermia, anemia e hipoxia) e há hipertensão cerebral, responsável pela congestão, edema, cefaléia e outros sintomas; lesões no endotélio de capilares, decorrentes da anemia e de depósitos de imunocomplexos e de hemácias parasitadas ou não (marginação eritrocítica), podem levar ao quadro de anoxia localizada, necrose e morte. O óbito pode ser decorrente da hipertensão cerebral.

Nefropatias
As alterações renais podem surgir na fase aguda ou na fase crônica da doença, mas apresentam lesões diferentes. Na fase aguda, as glomerulonefrites e a síndrome nefrótica em P. jalciparum são decorrentes de depósitos de antígenos maláricos e de imunoglobulinas, principalmente de IgM, que produzem hiperplasia e hipertrofia de células do endotélio no nível das áreas mesangiais dos glomérulos renais.
Em geral os casos agudos de nefropatias pelo P. jalciparum respondem bem à terapêutica, entretanto os casos crônicos de nefropatias pelo P. malariae são rebeldes ao tratamento, isto é, procede-se ao tratamento antiparasitário, mas as alterações permanecem.

Imunidade

Os parasitos da malária desenvolvem uma imunidade ativa parcialmente eficiente e que sob o ponto de vista biológico é boa para o plasmódio e para o hospedeiro. É o que se denomina "imunidade concomitante ou premunição", na qual o nível de anticorpos é capaz de proteger o hospedeiro, mas não de eliminar o parasito. Esse fato baseia-se nas seguintes observações em pacientes residentes em zona endêmica:

*Comumente os adultos apresentam a forma crônica, com parasitemia muito baixa ou subpatente e sintomatologia discreta.
*Crianças até seis meses de idade são resistentes às infecções, pois a mãe lhes transmite proteção através da "transferência passiva de anticorpos" (IgG).
*Crianças acima dessa idade ou pessoas que nunca tiveram malária, ao serem picadas por anófeles infectados, desenvolvem a doença.

Essas observações, aliadas a pesquisas desenvolvidas em primatas, roedores e humanos, permitiram verificar o seguinte: existe resistência natural; há especificidade na resposta imunitária quanto à espécie do plamódio e o estágio (forma) do parasito; há variação antigênica e genética entre populações do parasito e de humanos; ocorre a imunossupressão para antígenos não correlatos aos do plasmódio (isto é, a malária é uma doença que provoca imunossupressão).


Resistência natural: É uma propriedade inerente ao hospedeiro, que é naturalmente resistente à infecção. Essa resistência pode ser: (a) absoluta, isto é, quando nos humanos não ocorre nenhum desenvolvimento do plasmódio de aves, por exemplo; (b) parcial ou relativa, quando nos humanos ocorre um início do desenvolvimento do plasmódio, porém ele é eliminado antes de promover sintomas, conforme ocorre com os plasmódios de macacos que atingem humanos.


Imunidade adquirida: A imunidade adquirida é desenvolvida ao longo dos anos de exposição e permanência do paciente em zona endêmica, sofrendo constantes picadas infectantes. As formas extracelulares, tais como o esporozoíto e o merozoíto (imunidade estágio-específica), são mais imunogênicas e, também, mais suscetíveis à ação imunitária; as formas intracelulares parecem ser pouco imunogênicas, porém sofrem a ação da defesa imunitária. De todo modo, a transferência passiva de anticorpos IgG da mãe imune para o filho é considerada um dos principais fatores responsáveis pela resistência do recém-nascido. Dois outros fatores também podem estar envolvidos nessa resistência: presença de eritrócitos contendo grande quantidade de hemoglobina fetal e dieta pobre em PABA, pois ambas são desfavoráveis ao desenvolvimento do plasmódio.


Diagnóstico
O diagnóstico da malária pode ser clínico (observando se o paciente tem contato com regiões endêmicas, observar a sintomatologia) e laboratorial (exame parasitológico, e imunológico).
Epidemiologia

Hoje já está conhecida a possibilidade de macacos albergarem plasmódios humanos e vice-versa, constituindo uma zoonose. Entretanto, essa possibilidade é mais restrita à África Central e à Ásia. A malária nas Américas não é considerada uma zoonose. Aqui as fontes de infecção são os gametóforos, isto é, os pacientes que apresentam gametócitos em seu sangue circulante, fato mais freqüente no início da infecção. Portanto, para que exista malária em uma região, são necessários três elos fundamentais: o gametóforo, os mosquitos transmissores e humanos suscetíveis.
Resumo da Epidemiologia
*Distribuição geográfica: América Central e do Sul, Ásia, Oceania e África;
*Fonte de infecção: humanos;
*Forma de transmissão: esporozoíto;
*Via de transmissão: Anopheles darlingi;
*Via de penetração: pele (sangüínea).


Profilaxia

Verifica-se que teoricamente não seria difícil a profilaxia da malária, pois poderíamos atingir os três elos fundamentais da cadeia: tratar os doentes, proteger as pessoas sadias e combater o transmissor. Devido a o programa profilático ser eficiente em algumas regiões, e completamente ineficiente em outras regiões, assim a OMS recomenda algumas ações de profilaxia:
* Desenvolver os serviços básicos de saúde;
* Estimular a participação comunitária;
* Desenvolver atividades de educação sanitária e ambiental;
* De acordo com as condições ecológicas locais, programar os trabalhos tradicionais de profilaxia individual e coletiva, baseando-se no tratamento dos doentes e no combate ao vetor em sua fase larvária e/ou adulta (alado).

Tratamento
O tratamento da malária requer a intervenção de um médico experiente e deve ser instituído o mais precocemente possível. Três itens precisam estar bem claros para o início da terapêutica: a espécie que acomete o paciente, a idade do mesmo e se é gestante.
O tratamento pode ser instituído buscando-se um ou mais dos seguintes objetivos: interromper o ciclo pré ou exoeritrocítico (responsável pelo início da doença), interromper a esquizogonia sangüínea (responsável pela patogenia e manifestações clínicas), buscar a erradicação das formas latentes - hipnozoítos do P. vivax e do P. ova1e (evitando as recaídas tardias) e eliminar ou atuar sobre os gametócitos nos pacientes residentes em zona endêmica (impedindo o ciclo sexuado no mosquito). Ou seja, as drogas antimaláricas podem ser utilizadas conforme a forma parasitária a ser atingida: esquizonticida tecidual ou hipnozoiticida (busca a cura radical do P. vivax ou do P. ovale), esquizonticida sangüíneo (busca a cura clínica), gametocitocida e esporonticida (buscam impedir a formação de esporozoítos no mosquito).
As drogas utilizadas são: 4-aminoquinoleínas (cloroquina e amodiaquina), 8-aminoquinoleínas (primaquina), arilaminoálcoois (quinina, mefloquina e halofantrina), peróxido de lactona-sesquiterpênica (artemisina e seus derivados), naftoquinonas (atovaquona) e antibióticos (clindamicina, doxiciclina e tetraciclina).










sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Doença de Chagas - TVENDO E APRENDENDO

Doença de chagas

7
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 16(Sup. 2):7-12, 2000
ARTIGO ARTICLE
Doença de Chagas no Brasil
Chagas disease in Brazil
1 Gerência Técnica de
Doença de Chagas, Centro
Nacional de Epidemiologia,
Fundação Nacional de
Saúde, Ministério da Saúde.
Setor de Autarquias Sul,
Brasília, DF
70070-000, Brasil.
2 Centro de Pesquisas René
Rachou, Fundação Oswaldo
Cruz, Ministério da Saúde.
C.P. 1743, Belo Horizonte, MG
30190-002, Brasil.
jcpdias@cpqrr.fiocruz.br
Márcio C. Vinhaes 1
João Carlos Pinto Dias 2
Abstract This article presents the current situation for Chagas disease vectors in Brazil, based
on data from the Brazilian National Health Foundation (FNS). Over the course of the last 20
years, continuous chemical control has resulted in a clear reduction of triatomine densities and
Trypanosoma cruzi in Brazilian dwellings. Results have been particularly promising in relation
to Triatoma infestans and Panstrongylus megistus, considered the most important species in the
past. In parallel, data from school serological surveys, hospitalized patients, and mortality
records show an important decrease in the disease. Nevertheless, some areas of the Brazilian
Northeast and some residual foci of Triatoma infestans and Panstrongylus megistus remain as
major challenges for public health authorities, requiring effective epidemiological surveillance.
States and municipalities are required to assume this task at present, as the traditional Brazilian
National Health Foundation is undergoing decentralization.
Key words Chagas Disease; Triatominae; Insect Vectors; Vector Control; Prevention and Control
Resumo Sumariam-se os dados da Fundação Nacional de Saúde (FNS) sobre o estado atual dos
vetores da doença de Chagas no Brasil, verificando-se que após vinte anos de controle químico
continuado houve franca redução dos índices triatomínico-tripanosômicos, particularmente
para espécies como Triatoma infestans e Panstrongylus megistus. Em paralelo, dados de sorologia
escolar, de internações e de mortalidade pela doença indicam descenso nas taxas de incidência
e impacto médico social da protozoose, restando áreas mais preocupantes, como o Nordeste e
resíduos de T. infestans. Impõe-se urgente uma vigilância epidemiológica efetiva, a ser realizada
por estados e municípios ante o processo de descentralização da FNS.
Palavras-chave Doença de Chagas; Triatominae; Insetos Vetores; Controle de Vetores; Prevenção
e Controle
8 VINHAES, M. C. & DIAS, J. C. P.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 16(Sup. 2):7-12, 2000
Introdução
O presente texto objetiva, de maneira sumária,
contextualizar o problema da doença de Chagas
e de seu controle no Brasil, para melhor entendimento
das questões da doença no Nordeste
brasileiro e das discussões entomológicas e
político-administrativas a ela pertinentes.
A doença de Chagas é uma das patologias
de mais larga distribuição no continente americano.
É conhecida a existência de vetores da
doença desde o sul dos Estados Unidos à Argentina.
São mais de cem espécies responsáveis
pela transmissão natural da infecção pelo
Trypanosoma cruzi, intervindo diretamente na
sua veiculação no ambiente domiciliar ou participando
na manutenção da enzootia chagásica.
Estima-se que sejam de 16 a 18 milhões os
indivíduos infectados e de aproximadamente
oitenta milhões a população em risco de contaminação
na América Latina (Schmunis, 1997;
WHO, 1991). A doença de Chagas é um exemplo
típico de uma injúria orgânica resultante
das alterações produzidas pelo ser humano ao
meio ambiente, das distorções econômicas e
das injunções sociais. O protozoário responsável
pela parasitose, Trypanosoma cruzi, vivia
restrito à situação silvestre, circulando entre
mamíferos do ambiente natural, através do inseto
vetor ou, também, muito comumente, por
via oral (ingestão de vetores e mamíferos infectados).
Foi o homem quem invadiu esses ecótopos
e se fez incluir no ciclo epidemiológico
da doença, oferecendo ao hemíptero vetor vivendas
rurais de péssima qualidade, frutos de
perversas relações de produção e de políticas
sociais restritivas (Dias & Borges Dias, 1979;
Dias & Coura, 1997).
Os triatomíneos, hematófagos estritos, encontraram
naquelas habitações uma condição
ideal de abrigo e oferta alimentar abundante,
tornando a transmissão vetorial no mecanismo
primário de difusão da doença. A adaptação
dos triatomíneos à vivenda humana (domiciliação
e colonização) mostrou-se eficiente para
cerca de uma dezena de espécies e é considerada
fator primordial da ocorrência e da expansão
da doença de Chagas humana. Estabelecida
a transmissão vetorial da doença, outros mecanismos
foram a ele conseqüentes e são, nesse
sentido, secundários ou alternativos, principalmente
a transmissão transfusional e a transmissão
transplacentária (congênita).
É fácil perceber que as distorções econômicas
influenciam fortemente a distribuição social
da parasitose, na medida em que ocorrem
deficiências na qualidade de vida do homem
interiorano. Historicamente, em toda a América
Latina, essa qualidade já se acha profundamente
comprometida, especialmente em relação
às condições de moradia (que interessam
no caso em particular da domiciliação dos triatomíneos),
mas também no que concerne à
saúde e à educação, perpetuando inexoráveis
ciclos de pobreza/enfermidade (Dias & Borges
Dias, 1979; Dias, 1999).
História e retrospectiva do controle
da doença no Brasil
O controle da transmissão vetorial da doença
de Chagas no país, institucionalizado em 1950
pelo Serviço Nacional de Malária, foi sistematizado
e estruturado na forma de programa de
alcance nacional apenas a partir de 1975, apesar
da comprovada eficácia do uso de inseticidas
de ação residual – então o hexaclorociclohexano
a 6,5% – na profilaxia da doença. Até os
anos 70, apenas o Estado de São Paulo mantinha
ações regulares de controle, em paralelo
com trabalhos pioneiros de investigação em
Minas Gerais (Município de Bambuí e algumas
áreas do Triângulo Mineiro), conforme Silveira
(1999). A partir de 1975, foi delimitada a área
onde há risco de transmissão para o restante do
país, através de inquérito de soroprevalência
da infecção na população humana e de inquérito
entomológico, já como parte da rotina de
operações. Os resultados mostraram que:
• a área com risco de transmissão vetorial
correspondia a 36% do território nacional, com
triatomíneos domiciliares em 2.493 municípios
distribuídos em 18 estados;
• das mais de 42 espécies de triatomíneos então
catalogados no Brasil, trinta estavam presentes
no ambiente domiciliar, mas não mais
do que cinco tinham participação direta na
transmissão domiciliar da doença: Triatoma
infestans, Triatoma brasiliensis, Triatoma pseudomaculata,
Triatoma sordida e Panstrongylus
megistus;
• 711 municípios de 11 estados eram positivos
para a principal espécie vetora, o T. infestans;
• a prevalência da infecção chagásica na população
rural era, então, de 4,2%, com mais altos
coeficientes em Minas Gerais (8,8%), Rio
Grande do Sul (8,8%), Goiás (7,4%) e Bahia
(5,4%), estados onde a dispersão e infestação
por T. infestans eram mais significativas.
Os recursos aplicados no controle da transmissão
vetorial da doença de Chagas foram de
início aqueles disponibilizados pelo programa
de malária, erradicada de extensas áreas do Sudeste
e Nordeste. Isso, de certa maneira, impediu
o planejamento das ações de controle com
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 16(Sup. 2):7-12, 2000
base em critérios estritamente epidemiológicos,
a partir da informação produzida pelos inquéritos
entomológico e de soroprevalência da
doença de Chagas. É muito oportuna a transcrição
do documento elaborado pelo grupo de
pesquisadores brasileiros (Aluizio Prata, Eduardo
Olavo da Rocha e Silva, Guilherme Rodrigues
da Silva, Joaquim Eduardo de Alencar, José
Rodrigues Coura e Zigman Brener) ao então
Ministro da Saúde, em Brasília, Dr. Mário Augusto
de Castro Lima, em 23/8/1979. A íntegra
do documento segue abaixo (Prata, 1981):
“Documento elaborado pelo grupo de pesquisadores
convidados pelo Ministério da Saúde
para discussão e análise do combate à Doença
de Chagas pela SUCAM.
O grupo convocado pelo Ministério da Saúde
para analisar a situação atual do Controle
da Doença de Chagas considera que a doença de
Chagas constitui um dos problemas mais sérios
e urgentes do país. Por outro lado, está convencido
que no conjunto das grandes endemias, a
doença de Chagas representa o problema mais
vulnerável a uma intervenção técnica eficaz a
curto e médio prazo.
A doença destaca-se pelo elevado custo social
incidente sobre a imensa parcela da força
de trabalho dedicada à produção agrícola, tanto
mais quando se considera a importância estratégica
deste setor de produção no momento
atual de incremento dos programas de desenvolvimento
econômico e social do Brasil.
Calcula-se, com base em informações recentes,
que mais de 4 milhões de brasileiros encontram-
se infectados pelo Trypanosoma cruzi numa
área endêmica que se estende do Piauí ao
Rio Grande do Sul.
A transmissão da infecção pelo barbeiro se
dá predominantemente nas áreas rurais de baixa
densidade populacional. Contudo, a intensidade
dos movimentos migratórios internos ligados
à dinâmica econômica, vêm transformando
a endemia rural em verdadeira endemia urbano-
rural. Em alguns dos centros metropolitanos,
a percentagem de trabalhadores acometidos
pela doença chega a níveis de 4% e até 7%,
dependendo da proporção de migrantes dentre
eles. Há indicadores de que este problema tende
a agravar-se se mantida a situação atual.
A magnitude do custo social da doença torna-
se aparente quando se considera o elevado
número de pessoas acometidas, ao lado de certas
características da doença. A infecção chagásica
ocorre predominantemente nos primeiros
anos de vida. Os que sobrevivem a este período
inicial ou agudo permanecem infectados pelo
resto da vida, pela inexistência de tratamento
efetivo.Destes, mais da metade apresentará com-
DOENÇA DE CHAGAS NO BRASIL 9
prometimento cardíaco, geralmente nas idades
mais produtivas, muitas vezes fatal.
Realizando um retrospecto histórico, o Grupo
lembra que o conhecimento da eficiência dos
inseticidas sobre os transmissores da doença data
de 1949 e que, apesar disso, a transmissão
continua ocorrendo, sendo responsável por milhões
de casos. A experiência acumulada revela
que nas áreas em que os inseticidas foram adequadamente
aplicados houve uma drástica redução
da população de vetores e consequentemente
da transmissão. A persistência da endemia
se deve à irregularidade com que as campanhas
têm sido conduzidas, por motivos de ordem
administrativa e, principalmente, orçamentária.
Na raiz dessa descontinuidade encontra-se
a falta de falta de uma definição clara sobre a
prioridade que o combate a esta endemia deve
merecer. Essa opção é hoje mais uma questão
mais de política governamental do que técnica.
Uma análise da atualidade desse programa
de controle revela que vivemos, apesar da difícil
conjuntura econômica nacional, um momento
histórico extremamente favorável a sua implementação,
a saber:
• Os órgãos do Ministério da Saúde, particularmente
a SUCAM, dispõe, uma vez assegurados
os recursos financeiros, de condições técnicas
e operacionais aprimoradas ao longo dos anos e
perfeitamente adequadas para a profilaxia da
doença através do combate ao transmissor;
• Uma estimativa feita pelo Grupo mostra que
essa campanha, realizada a nível nacional, exigiria
um investimento inicial que não excederia
Cr$ 900.000.000,00, com redução significativa
nos anos subsequentes;
• Trabalhos experimentais e, mais recentemente,
o desenvolvimento de uma campanha realizada
na área endêmica do Estado de São Paulo,
confirmaram a viabilidade do controle da transmissão
domiciliar da doença;
• Estudos recentes sobre a distribuição dos vetores
e inquéritos sorológicos, realizados a nível
nacional, permitem um conhecimento detalhado
da distribuição da doença de Chagas no
Brasil. O Grupo expressa sua preocupação de
que o retardamento da Campanha possa significar
uma perda da atualidade desses dados,
que são essenciais ao desenvolvimento do combate
à doença.
Esta abordagem direta do controle não implica
em subestimar a importância de outras
medidas relevantes, tais como a melhoria da
habitação e a educação para a saúde das populações
que vivem em área endêmica. Essas medidas,
entretanto, são destinadas a se concretizarem
a longo prazo, o que permitiria a persistência
de condições intoleráveis de transmissão,
10 VINHAES, M. C. & DIAS, J. C. P.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 16(Sup. 2):7-12, 2000
com a ocorrência de milhares de casos novos da
doença.
A doença de Chagas, como problema prioritário
de saúde pública, torna-se mais importante
hoje que em períodos precedentes, mesmo
quando considerada sob o ângulo exclusivamente
econômico. A nova ênfase que é dada à
agricultura no anteprojeto do 3o PND; torna urgente
a necessidade de maior valorização e proteção
da força de trabalho dedicada ao setor
agrícola, como condição para a expansão projetada
para este setor de produção”.
Apenas em 1983, recursos do FINSOCIAL –
Fundo de Investimento Social –, juntamente com
aqueles provenientes do Ministério da Saúde,
foram alocados para o programa a fim de interromper
a cadeia de transmissão pelo controle
do vetor, através da desinsetização domiciliar
de toda área que se reconheceu endêmica. Nessa
decisão político-administrativa, foram fundamentais,
de um lado, a consistência da equipe
técnica da então (SUCAM – Superintendência de
Campanhas de Saúde Pública e, de outro, o trabalho
ingente da comunidade científica brasileira,
que mostrou ao governo os dados de custo
médico-social da endemia, oferecendo-lhe também
a pesquisa e o respaldo tecnológico para
ampliar de vez o programa. Além do mais, prenunciou-
lhe o bom êxito político e epidemiológico
que iria decorrer das ações de controle, desde
que assegurada a continuidade necessária.
Situação atual e perspectivas
Ainda que as atividades tenham sido em parte
perturbadas a partir de 1986, em virtude das
repetidas epidemias de dengue no país e da
perda de pessoal, indicadores entomológicos
de uso rotineiro apontam para a virtual eliminação
da principal espécie vetora no país, Triatoma
infestans, dos domicílios. Restam apenas
alguns focos de importância no nordeste do
Estado de Goiás e sul de Tocantins, na região
do Além São Francisco, na Bahia, no norte do
estado Rio Grande do Sul e no sudeste do Piauí.
O número de municípios com Triatoma infestans
caiu de 711, em 1983, para apenas 102
em 1998 (dados provisórios). A participação relativa
de T. infestans no total de capturas, consideradas
todas as espécies, em 1983, era da ordem
de 13,54% (84.334/622.822) e, em 1998, foi
de 0,20% (360/176.810). As taxas de infecção
natural de T. infestans foram reduzidas de 8,4%
(1983) a 2,9% em 1997.
No caso das outras espécies, sobretudo Triatoma
brasiliensis, Triatoma pseudomaculata e
Triatoma sordida, ainda que as respostas sejam
mais lentas, tem sido possível manter níveis de
infestação e de colonização intradomiciliar incompatíveis
com a transmissão, apesar de que,
nesse caso, seja necessário um trabalho de vigilância
de caráter contínuo, com pronta intervenção,
uma vez haja evidência de constituição
de colônias na habitação. A Tabela 1 apresenta
o panorama dos triatomíneos capturados em
1997 pela FNS no Brasil (exceto São Paulo), com
seus respectivos índices de infecção natural para
o Trypanosoma cruzi (Silveira & Vinhaes, 1998).
Chama atenção na tabela (que praticamente
se repete em 1998 e 1999) o ainda grande volume
de capturas de T. sordida, que corresponde
a 41,16% do total de triatomíneos capturados
no país, em contraste com a grande redução
de T. infestans (somente 0,54% das capturas)
e de P. megistus (2,06%). Por seu turno, T.
brasiliensis e T. pseudomaculata, espécies características
do Nordeste, representam 52,06%
dos triatomíneos capturados, o que evidencia
a importância daquela região (ver artigo específico
de Dias et al. neste mesmo fascículo). A
tabela ressalta, ainda, que a infecção natural
por T. cruzi das três espécies mais capturadas é
muito baixa em relação aos índices apresentados
no passado, quando T. sordida alcançou
2,20%, T. brasiliensis 6,70% e T. pseudomaculata
1,7%. Também se observou redução dessa
positividade para T. infestans (que era de 8,70%)
e para P. megistus (3,4%), conforme Castro Filho
& Silveira (1979).
De modo geral, os dados demonstram como
as medidas de controle adotadas até o momento
vêm apresentando um bom impacto no
controle da doença, na prevalência da infecção,
no adoecimento e, mesmo, mortalidade por
doença de Chagas no país.
Inquéritos sorológicos feitos em crianças
nascidas após o início do programa revelaram
325 soro-reagentes, entre 226.138 amostras examinadas,
conforme a Tabela 2.
Já a prevalência de soro-reagentes entre
doadores na hemo-rede pública, em 1996, foi de
0,69%, em comparação a uma mediana superior
aos 2% nos anos 70 (Dias & Schofield, 1998).
Por seu turno, o coeficiente de mortalidade
específica para doença de Chagas caiu de 5,2/
100.000 habitantes, em 1980, para 3,5/100.00,0
em 1997, e um número progressivamente menor
de internações causadas pela enfermidade
é registrado a cada ano na rede de assistência
médica pública e conveniada. Segundo dados
gerados de através de Autorizações de Internações
Hospitalares pelo SUS (AIHs), o número de
internações por doença de Chagas em 1990 foi
de 1.836 internações contra 1.343 em 1998 (Silveira
& Vinhaes, 1998).
DOENÇA DE CHAGAS NO BRASIL 11
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 16(Sup. 2):7-12, 2000
Há que se considerar sobre esses dados que
outros mecanismos de transmissão podem contribuir
para a produção de novos casos, especialmente
através de transfusões de sangue e
da transmissão vertical mãe infectada/filho,
durante a gestação. Já os óbitos e casos internados
correspondem basicamente à fase crônica
da doença, que se instala tardiamente e representam
indivíduos contaminados há muitos
anos. De qualquer maneira e apesar das
eventuais distorções que possa haver, decorrentes
do alcance e da forma de coleta desses
dados, as reduções observadas são de tal ordem
que fica evidente o progresso havido no
controle da enfermidade no país, especialmente
nos últimos vinte anos.
É certo que a transmissão natural da doença
de Chagas no país foi grandemente reduzida
e que há tecnologia bastante para sustentar os
níveis de controle alcançados. Em particular, o
Brasil e outros países do Cone Sul (Uruguai e
Chile) estão comemorando a eliminação do
Triatoma infestans em vastas regiões, o que representou
enorme avanço nos índices de incidência
e de impacto da doença humana. Aliás,
a redução da transmissão vetorial sempre re-
Tabela 1
Número de exemplares de triatomíneos capturados, examinados, positivos e taxa de infecção natural
por Trypanosoma cruzi. Distribuição por espécie, Brasil, 1997.
Gênero e espécie capturados examinados positivos % positivos
Triatoma sordida 81.970 57.690 491 0,85
Triatoma brasiliensis 55.513 35.662 514 1,44
Triatoma pseudomaculata 48.145 34.467 444 1,29
Panstrongylus megistus 4.104 3.194 87 2,72
Panstrongylus lutzi 2.138 1.614 42 2,60
Triatoma rubrovaria 1.815 1.746 18 1,02
Rhodnius nasutus 1.577 1.090 5 0,46
Triatoma infestans 1.080 793 23 2,90
Rhodnius neglectus 823 495 8 1,62
Triatoma rubrofasciata 617 435 84 19,31
Triatoma vitticeps 326 248 67 27,02
Panstrongylus geniculatus 214 152 3 1,97
Rhodnius pictipes 195 171 18 10,53
Triatoma maculata 89 78 1 1,28
Triatoma melanocephala 77 47 6 12,77
Triatoma matogrossensis 63 51 0 0,00
Panstrongylus diasi 55 23 11 47,83
Triatoma tupinambai 46 44 0 0,00
Rhodnius prolixus 44 32 1 3,13
Triatoma pessoai (T. lenti) 40 13 1 7,69
Triatoma costalimai 34 30 0 0,00
Panstrongylus lignarius 27 23 13 56,52
Triatoma williami 22 18 0 0,00
Triatoma circunmaculata 15 14 1 7,14
Triatoma arthurneivai 13 11 0 0,00
Triatoma petrochiae 11 11 0 0,00
Triatoma tibiamaculata 10 10 1 10,00
Eratyrus mucronatus 9 8 1 12,50
Rhodnius brethesi 9 9 0 0,00
Triatoma guasu 7 5 0 0,00
Rhodnius domesticus 6 6 0 0,00
Triatoma deanei 1 0 – –
Cavernicola lenti 1 1 0 0,00
Rhodnius robustus 1 1 0 0,00
Outros 56 3 0 0,00
Totais 199.143 138.195 1.840 1,33
12 VINHAES, M. C. & DIAS, J. C. P.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 16(Sup. 2):7-12, 2000
Referências
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de pesquisadores convidados pelo Ministério da
Saúde para a discussão e análise do combate à
doença de Chagas pela SUCAM. In: Situação e
Perspectivas do Controle das Doenças Infecciosas e
Tabela 2
Inquérito sorológico em escolares de 7 a 14 anos (número de amostras positivas por idade), Brasil, 1989/1987.
Unidades Idade (em anos) Total % positivas no de amostras
da Federação 7 8 9 10 11 12 13 14 processadas
Alagoas 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,00 7.335
Bahia ... ... ... 2 ... 1 0 2 7 0,03 26.657
Ceará ... 2 4 ... ... ... ... ... 9 0,02 38.429
Goiás ... 1 ... 1 ... 4 ... 3 57 0,45 12.584
Maranhão 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,00 1.025
Mato Grosso 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,00 14.138
Mato Grosso do Sul 0 0 0 0 ... 0 ... 0 2 0,05 3.891
Minas Gerais ... ... ... ... ... ... ... ... 21 0,07 29.738
Paraíba 7 1 6 3 4 3 3 8 35 0,16 21.769
Paraná 1 1 0 1 0 0 2 2 7 0,03 22.903
Pernambuco ... ... ... ... ... ... ... ... 1 0,05 1.864
Piauí ... 1 ... ... ... ... 1 ... 2 0,04 4.939
Rio Grande do Norte ... ... ... ... ... ... ... ... 25 0,20 12.583
Rio Grande do Sul 13 11 22 22 22 22 17 16 145 0,70 20.857
Sergipe ... ... ... ... ... ... ... ... 14 0,19 7.426
Total 21 17 32 29 26 30 23 31 325 0,14 226.138
Fonte: Grupo de Trabalho – Doença de Chagas, Fundação Nacional de Saúde, Ministério da Saúde.
sulta também na diminuição – a médio prazo –
de doadores de sangue e de gestantes infectados,
o que reduz os riscos de transmissão transfusional
e congênita (Dias & Coura, 1997; Dias
& Schofield, 1998). No entanto, é fundamental
manter atenta vigilância epidemiológica – no
caso do componente entomológico com o envolvimento
da população e dos serviços locais
de saúde – e dispor de recursos suficientes para
isso. Para o Brasil, esse desafio é hoje ainda
maior, quando se observa uma progressiva descentralização
da Fundação Nacional de Saúde,
devendo suas atividades ser absorvidas por estados
e municípios.
Parasitárias (A. R. Prata, org.), pp. 317-319, Brasília:
Editora Universidade de Brasília.
SILVEIRA, A. C., 1999. Profilaxia. In: Trypanosoma
cruzi e Doença de Chagas (Z. Brener, Z. A. Andrade
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Chagas Disease. WHO Technical Report Series 811.
Geneva: WHO.